terça-feira, 23 de dezembro de 2008


NAÇÃO CRIOULA E A TEORIA DE BAKHTIN





RESENHA Nação Crioula de autoria de José Eduardo Agualusa, autor nascido em Angola com amplo conhecimento daquela realidade e profundo interesse pela realidade brasileira, mostra o romance que ocorreu no século XIX entre Fradique Mendes, um aventureiro português e Ana Olímpia Vaz de Caminha, uma figura capaz de enriquecer qualquer narrativa pela vida cheia de situações diferentes e antagônicas, pois embora nascida escrava foi uma das mulheres mais ricas e poderosas daquela região africana de cultura portuguesa, ou seja, Angola.
É importante ressaltar que Fradique Mendes é um personagem de Eça de Queirós que Agualuza tomou por empréstimo para personagem central de seu romance incluindo na sua narrativa o próprio Eça de Queirós. Misturam-se personagens e pessoas reais.
A história se desenrola entre 1868 a 1900 e é contada através das cartas trocadas por Fradique Mendes e sua madrinha, Madame Jouarre, entre ele e Ana Olímpia e com Eça de Queirós.
Nas cartas relata seu trânsito entre personagens ricos, pobres, do clero, malfeitores, passando por situações inusitadas desde sua chegada em Angola, sua, às vezes, turbulenta permanência, o encontro casual com Ana Olímpia, por quem de imediato nutre um sentimento especial e todo o suspense – poderia dizer drama – que envolve sua amada até poder libertá-la para com ela viver.
Fradique não tem um trabalho, vive da mesada que sua madrinha lhe envia, mesmo assim tem uma vida de regalias em Angola. As cartas narram os episódios ocorridos em Angola de 1868 a 1876. Posteriormente, viaja para Pernambuco naquele que talvez fosse o último navio negreiro da época, o NAÇÃO CRIOULA, para fugir de seus perseguidores e de Ana Olímpia, pois suas vidas corriam perigo.
A partir daí suas missivas são de Olinda para onde se transferem, a princípio, para casa de amigos e, mais tarde, para uma propriedade que adquire na Bahia onde passa a viver de forma abastada reproduzindo a vida de muitos senhores com quem tivera contato em suas andanças, com escravos e bens. Lá tem uma filha, mas não permanece no Brasil. Posteriormente, vai para a França, onde morre.
Ana Olímpia e a filha Sophia fazem o caminho de volta para África.
O romance termina com uma carta de Ana Olímpia a Eça de Queirós onde ela relata a sua história.


A DIALÓGICA DE BAKHTIN E O DISCURSO ROMANESCO
As imagens romanescas fundamentais são representações dialogizadas interiormente - das linguagens de outros, dos estilos, das concepções de mundo. (BAKHTIN, 1988, p.367) “Todo romance, em maior ou menor escala, é um sistema dialógico de imagens” (BAKHTIN, p..371). No seu processo de surgimento e desenvolvimento inicial a palavra romanesca refletiu a antiga luta de tribos, povos, culturas e línguas, ela era uma ressonância completa dessa luta (BAKHTIN, p 371).
Bakhtin contrapõe-se aos seus contemporâneos que colocavam os personagens como aqueles de uma fotografia, isto é, numa cena muda. É a linguagem o campo potencial de representação das tensões sociais, inclusive as provocadas pelo desajuste entre produção social e apropriação privada (MACHADO, p.284).
Bakhtin começou seus estudos sobre Dostoievski com seu romance polifônico que foi o núcleo dos estudos de Bakhtin.
Para Bakhtin o “romance é um texto característico de um estágio na história da consciência não porque indica a descoberta do EU, mas porque manifesta a descoberta do outro pelo próprio EU” (M.HOLQUIST, 1990:75, apud MACHADO, p.286).
O romance é multiforme e inacabado e mostra em si vários discursos, gêneros e linguagens. Bakhtin não acreditava que princípios canônicos rígidos pudessem dar conta de todos os aspectos multiformes do romance e resultar numa poética consistente.
Para ele o caráter épico do romance situa-se no uso da voz, que Bakhtin estudou nos procedimentos de transmissão do discurso de outrem, do discurso bivocalizado e do romance polifônico (MACHADO, p.288).
Vamos citar três particularidades fundamentais que distinguem o romance de todos os gêneros restantes, segundo Bakhtin:
1. A tridimensão estilística ligada à consciência plurilíngüe que se realiza nele;
2. Transformação radical das coordenadas temporais das representações literárias do romance;
3. Nova área de estruturação da imagem literária no romance, justamente a área de contato máximo com o presente (contemporaneidade) no seu aspecto inacabado (BAKHTIN, 1988, p.404).
Os aspectos acima citados estão ligados entre si e refletem a mudança da sociedade patriarcal e fechada em direção às novas condições de relações internacionais e de ligações interlingüísticas, que podemos dizer ocorreu não só na Europa no século passado, mas continua ocorrendo permanentemente, com o desvelamento, se assim se pode chamar de outras culturas, pelo processo midiático global cada vez mais intenso.
Terminou o período da “coexistência surda e fechada das línguas nacionais”. (BAKHTIN, 1988, p.404)
O romance se formou e se desenvolveu nas condições de uma ativação aguçada do plurilingüismo exterior e interior. Esse é o seu elemento natural. É por isto que o romance encabeçou o processo de desenvolvimento e renovação da literatura no plano lingüístico e estilístico (BAKHTIN, 1988, p.405).
O romance, anteriormente identificado com gêneros inferiores não mais é assim considerado.
O romance está ligado aos elementos do presente inacabado que não o deixam enrijecer, permitindo sua permanência e adequação ao tempo e espaço. Esta contemporaneidade, entretanto não exclui a narrativa do passado.
O romance mantém estreita relação com os gêneros extraliterários-a vida corrente e a ideologia. (BAKHTIN, p.422)
O romance, em sua evolução, passou a retratar tanto um sermão, quanto um tratado filosófico, quanto questões políticas ou, ainda, questões íntimas, interiores, através de cartas, diários e bilhetes. Entra em relação com o acontecimento que está se desenvolvendo agora, no qual o leitor também está ligado de maneira substancial.
Para concluir, vamos às conclusões de Bakhtin sobre o romance:
1. O romance tem caráter inacabado;
2. Se formou no processo de destruição da distância épica, no abaixamento do objeto da representação artística ao nível de uma realidade atual, inacabada e fluída;
3. Com ele se originou o futuro de toda literatura;
4. É acanônico. É um gênero que eternamente se procura, se analisa e que reconsidera todas as suas formas adquiridas.


CONCLUSÕES
O romance Nação Crioula de José Eduardo Agualusa mostra em seu desenrolar vários discursos, gêneros e linguagens. Nele estão presentes as vozes dos intelectuais (inclusive pela intertextualidade óbvia com o “empréstimo” do personagem), do homem comum, do escravocrata, do negro escravo, da mulher – escrava ou liberta.
Mostra o discurso familiar, a voz do oficial, do militar, diferente do discurso do submisso.
Apresenta as três peculiaridades anteriormente citadas, nas quais salientamos o aspecto inacabado, a tridimensão estilística ligada à consciência plurilíngüe que se realiza nele, além da transformação radical das coordenadas temporais.
Constata-se a mudança da sociedade fechada para uma sociedade internacional, na qual os personagens têm livre trânsito e, conseqüentemente, mantendo relações interlingüísticas.
O romance em questão apresenta em si aquelas particularidades referentes à vida corrente e a ideologia. Utilizou o autor de recursos que os romancistas começaram a utilizar já em épocas mais evoluídas do romance, que são as cartas.
O próprio nome nos indica a amplitude do seu conteúdo, pois nação não está afeita a limites territoriais, mas sim a sentimento coletivo; crioula nos remete à mestiçagem. Mestiço é um outro sujeito que se constitui a partir de dois sujeitos distintos, guardando em si elementos de cada um , mas que se constitui em uma terceira voz distinta daquelas que o formou. A partir do título já temos subentendida a polifonia de Bakhtin. Encontramos a voz de uma África negra, uma África que se diz portuguesa, de uma Nação portuguesa colonizadora da África , que se tem superior e de um Brasil mestiço que por vezes parece ignorar sua parcela negra.
Temos no corpo do romance, histórias, questionamentos, críticas à história, críticas sociais, dramas pessoais que espelham a dialógica de Bakhtin e a polifonia núcleo de seus estudos.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
AGUALUZA, José Eduardo, Nação Crioula: a correspondência secreta de Fradique Mendes. Rio de Janeiro: Gryphus, 2001.

BAKHTIN, Mickhail. Questões de Literatura e de Estética. 3.ed. SP: UNESP / HUCITEC, 1998.

MACHADO, Irene A. O Romance e a voz. A prosaica dialógica de Bakhtin, Imago / FAPESP.



sexta-feira, 21 de novembro de 2008

CICLOS



Foi no ano de 1986 que eu, um minúsculo pinheiro, fui comprado e plantado em um pequeno jardim na praia do Laranjal.
A princípio não havia exigência nenhuma, pois era muito novinho. Não tinha que fazer nada. Nem dar sombra, nem abrigar pássaros ou outros animais.
Como o funcionamento de todo ser em desenvolvimento, a princípio, parece ser o mesmo, só tinha que crescer descobrir o mundo, me deixar descobrir pelos outros, experimentar possibilidades, encantar-me com as descobertas que abrem inúmeras possibilidades a serem vivenciadas, mas que ao serem escolhidas, de imediato, excluem outras. Não deveria ser assim, pois o sol não exclui a lua nem as estrelas, o dia não exclui a noite e ambos aceitam a chuva e os ventos, fugindo da rotina e aceitando as mudanças que com eles advêm. Generosamente, dividem espaços, olhares, encantamentos daqueles que tem olhos de ver, coração à flor da pele e alma cigana que é capaz de estar em todo lugar, que não tem território próprio porque todo território é seu.
Foi possível crescer em várias direções; para o alto buscando o céu, para o lado espalhando galhos que são braços, que protegem e abraçam de maneira carinhosa e acolhedora, para baixo fincando fortes raízes que se firmam dando suporte a tudo aquilo que está acima da terra e abaixo do céu (ou além dele), à vista dos olhos, ao alcance do olfato apurado capaz de distinguir cheiro de chuva molhada, de fruto maduro, de flor desabrochando, de ouvir o canto do sabiá, do bem-te-vi e do beija-flor que plana no ar, leve como os pensamentos inocentes e puros das crianças.

Toda a existência cresci dentro daquilo que era esperado, proporcionando segurança, proteção, aconchego, alegria, sombra sob a qual repousaram corpos cansados e mentes sonhadoras que ali, a meus pés arquitetaram idéias, sonhos que ganharam o mundo em cada tentativa desafiadora ou conquista obtida.
Os espinhos cutucaram (é para isto que servem, para desinquietarem, despertarem) cumprindo seu papel, mas também tiveram anjos que abençoaram, braços e abraços repletos de ternura e de alegria com os balanços das crianças que sustentei fortemente em todos os verões quando alegres brincavam ao redor, penduravam cadeiras ou simples cordas para se balançarem ou, ainda, quando com suas pernas frágeis tentavam nos braços subirem para ver o mundo mais além.
Estes mesmos braços carregaram pacotes e luzes que alegraram e iluminaram muitos Natais.

Apesar de não ser mais criança, de ter assumido proporções de um gigante, a dúvida, o questionamento (que é a mola propulsora de quem não se conforma com as frases feitas, os cenários estanques, os sentimentos enquadrados em moldes pré-determinados e com o futuro sendo resultado de uma imutável operação matemática) começaram a me assaltar, pois o fato de crescer demais começou a inquietar, a perturbar e a gerar desconforto.

É necessário ter o olhar bem mais além da linha do horizonte, querendo sempre transpor barreiras, desafiando o já dito e questionando o costume, a norma, o construído, o sentido (nas entrelinhas, no visível e no não dito, em outros dizeres que permeiam o caminho e que podem se constituir em novos saberes) criando novos desafios e novos espaços de experimentação. Este percurso pode mostrar o medo, instalar a dúvida do caminho a ser trilhado, desejando retornar a territórios conhecidos, identificados que apresentam características de normalidade, de estabilidade, de segurança, numa total contradição entre a segurança do conhecido e as inúmeras perspectivas do inexplorado.

A experimentação, o desafio do novo significa a janela que mostra novos horizontes e o caminho para experimentar novos modos de vida, que poderão até não se constituírem naquilo que é esperado, ou no vislumbrado, mas que servirão para isto mesmo, mostrar o que vale a pena.
Nesta etapa do percurso intensificam-se as dúvidas, as incertezas, face à internalização dos conceitos que constituíram o sujeito e a vontade de arriscar-se para descobrir novos ensinamentos, novas finalidades, não ignorando durante a trajetória a presença constante de um superego controlador ou a culpa por abandonar velhos paradigmas que representam ensinamentos aprendidos como dogmas, mas que nos dias de hoje já não possuem o mesmo significado.

Afinal, crianças crescem, adultos envelhecem a vida muda, as pessoas e os espaços são modificados. Todos morrem só que em momentos diferentes, cada um há seu tempo, quando seu ciclo termina
Em virtude disto nesta trajetória-espaço,tempo- de ser e não ser, de subir e chegar às nuvens ao mesmo tempo em que aprofunda raízes, de crescer e se deixar podar, de viver e de morrer, de ser árvore frondosa ou rio que corre e não deita raízes, nos tornamos capazes de (mesmo com o coração partido, a seiva a sangrar) deixar-se cortar para em cada labareda da chama da vida ou do fogo ardente e gélido da morte que acompanha o homem por toda a eternidade , esquentar os corações, virar fumaça que sobe para voltar em gotas de chuva que regam as sementes que tornarão a brotar num ciclo interminável de vida, doação, morte e renascimento.
Enquanto isto, outro tipo de raiz, não aquela plantada no solo, mas a que plantamos no coração daqueles que servimos permanece viva, nutrindo o espírito que se eleva por entre as nuvens, as quais agora vemos de outra dimensão.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

PARECER

Documento em Estudo.

Discurso e relações de gênero: romper com o senso comum e instituir sentidos plurais. Possibilidades de análise de um corpus.
Vera Lúcia Pires[1]


A sociedade vive em constante mutação, em decorrência da rapidez da informação, da eficácia das tecnologias e das múltiplas relações que se estabelecem.
As tecnologias evoluem muito rapidamente sem que o homem tenha tempo e condições de assimilar todos estes aspectos inovadores e transporta-los para o seu cotidiano colocando-os à sua disposição de modo a melhorar suas relações, tanto no âmbito pessoal quanto familiar e profissional.
Existem dados culturais muito fortes que não se modificam apesar destas transformações que ocorrem na sociedade como um todo, por isto a pertinência do artigo acima citado que aborda as relações de gênero no discurso que Maingueneau (2006: 43) diz que “não pode ser o objeto de uma abordagem puramente lingüística”.
O objetivo da autora é analisar o discurso de gênero (grifo da autora) marcado culturalmente em todas as sociedades, que constrói a representação das diferenças sociais de forma hierárquica entre os sexos com base nas diferenças biológicas.
As diferenças biológicas existem, evidentemente, mas não justificam a hierarquização, o desrespeito e a discriminação que perduram de forma escancarada-apesar das conquistas sociais das mulheres-em determinadas regiões, por cultura, ou religião e em outras de forma velada, subliminar nos textos, nas revistas, nos jornais ao reproduzirem notícias do cotidiano, nas propagandas veiculadas em qualquer tipo de mídia, de maneira tão inteligente que passa despercebida por aqueles que não tem maior discernimento para captar tais mensagens. Deste modo, justifica-se a autora fazer a análise como um “objeto lingüístico–semântico, social e histórico”. Utiliza como marca lingüística os operadores modais, cuja análise será integradora com destaque para os elementos intradiscursivos e interdiscursivos.
O arquivo discursivo constitui-se de peças publicitárias cujo enfoque temático são as mulheres, isto é, a representação do sujeito feminino na mídia publicitária impressa. Busca amparo, justificativa ou fundamentação teórica em Bakhtin, Orlandi e Pêcheux entre outros com os quais enriquece seu trabalho.
Os conceitos por ela enunciados ao longo do texto são de fácil entendimento para quem já tem algum conhecimento dentro da área em questão. Quem não transita por este contexto da análise do discurso, não teria condições de saber definir ou compreender o que é intradiscurso, interdiscurso, memória discursiva, processo parafrástico, processo polissêmico. Como o artigo é para publicação científica, se supõe que é perfeitamente compreensível para a coletividade acadêmica específica que com ele se defrontar.
A análise se processa na mídia impressa e dentro desta foi escolhido o espaço publicitário, que embora a pretensão de neutralidade propagada pela mídia, inexiste segundo a autora, pois se encontra sempre a manifestação do sujeito em qualquer elemento verbal.
Os textos analisados são aqueles onde são empregados operadores discursivos modais, que são aqueles elementos lingüísticos ligados ao momento da produção dos enunciados e que indicam o engajamento e os sentimentos do sujeito quanto ao seu discurso. (Koch, 1987 e 1992).
Com base em Thompson (1990) a autora analisa três aspectos que devem ser considerados para uma análise das formas representativas dos meios de comunicação; o primeiro diz respeito às circunstâncias socio-históricas específicas, o segundo relaciona-se com a construção do discurso e o terceiro tem a ver com os efeitos da recepção no interlocutor.
A preocupação da autora é de mostrar como a estrutura significante e os sentidos circulam no meio social, cruzando-se com as relações de poder - com as de gênero – e como são veiculadas pelas instituições da mídia.
Foram selecionados 10 textos de anúncios publicitários de jornais locais (considerando o domicílio da autora) e de revistas de circulação nacional. Destes, 07 foram veiculados tendo como referência o Dia Internacional da Mulher e o Dia das Mães.
Os textos foram devidamente analisados pela autora mostrando que através deles é possível perceber eficiência ao associar o elemento visual aos recursos lingüísticos como nos casos a seguir citados:
- comparação: mulher- flor- delicadeza (Visão Tradicional) = Mulher ser frágil e delicado
- Todas (modal) com a repetição de nomes-indica universalização da afirmação
-anunciante (loja de eletrodomésticos) lugar privilegiado ocupado pela mulher dentro da visão do anunciante, extensão da casa = lugar da mulher em casa.
Sucessivamente a autora vai analisando os textos em cuja maioria se percebe uma visão retrógrada, sectária, discriminatória, mantendo a mulher como rainha do lar, frágil, infantilizada, ignorando emancipação econômica, mantendo estereótipos evidenciando uma posição sócio-histórico-cultural conservadora por parte do sujeito do discurso, ocorrendo julgamento de valor ideológico que conduz ao tradicionalismo cultural. Dos 07 textos destacados, em 05 preponderam a concepção acima referida.
Em outros textos há inovação e a cadeia do enunciado rompe a linearidade discursiva do seu sentido tradicional permitindo que outros sentidos sejam possíveis, pois eles não se esgotam no dito, [grifo nosso] mostrando através da escolha dos textos e da correta e embasada análise a possibilidade de romper com o senso comum e instituir sentidos plurais.

Isabel Cristina Silva Vargas
Aluna do Curso de Pós Graduação em Linguagens Verbais e Visuais e suas Tecnologias – CEFET





[1] .Laboratório Corpus: Fontes de Estudos da Linguagem. GRPESQ/CNPq Discurso, História, Gênero e Identidade. Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
RESENHA CRÍTICA 
UM ENSAIO SOBRE O APRENDER E O ENSINAR NA PROBLEMÁTICA DA TRANSFERÊNCIA DO CONHECIMENTOAmanda Eloina Scherer

Contextualizando uma transgressão disciplinar

O artigo acima é parte da Coleção Ensaios- Mestrado em Letras ,1999 e transcreve a Conferência proferida no IX Novas Propostas para o ensino da Linguagem, além de parte do texto servir de material de suporte para o reencaminhamento do Seminário Novas Propostas como Programa de Extensão.
A temática abordada é a transferência de conhecimento no domínio do ensino e da aprendizagem na formação de professores.
Contextualiza a problemática como parte de um projeto educativo que tem por objetivo o questionamento, não sendo algo pronto, definitivo. Tais questionamentos envolvem: como se efetuam as aprendizagens, como elas podem ser utilizadas, se é possível falar só em transposição de conhecimento ,se pode ser definido o conhecimento a ser transferido em detrimento de outros, ou se existem conhecimentos mais ou menos transferível.
Outros dados surgem a partir a partir dos questionamentos.
O ensino aprendizagem envolve dimensão cognitiva, afetiva, social.Num dado momento o aluno se libera de um laço para estabelecer outro.
Como situar as aprendizagens “lógicas”, metodológicas e prioriza-las?
Quais alternativas buscar?
Outro questionamento.
Qual o papel da interdisciplinaridade? Existem conhecimentos que servem de matrizes nas diversas aprendizagens de uma mesma disciplina?
A pesquisa teórica determina a ação pedagógica e vice-versa?
A autora reafirma seu posicionamento da indissolubilidade da teoria/prática e prática/teoria.É questão importante o fato do sujeito ser unidade mantendo a diferença, ter e aceitar a própria história e inventar o próprio futuro. Aparece aí o caráter histórico do homem e dinâmico do conhecimento através da interrogação de como transmitir estes valores em prática criadora de vida e não como meio de perpetuação de distinção social. Coloca ainda em confronto o saber constituído e o homem que precisa mediar para se sentir como sujeito. A produção do saber neste caso não é só produzida pelo professor e pelo aprendiz, mas parte de suas próprias histórias e da sociedade. No decorrer do artigo situa o que é sua concepção de nova, de proposta e de ensino e linguagem denominando a sua abordagem de intercultural, que segundo Porcher (1997), por ela citado, é construir relações, articulações,conexões entre as diversas culturas: a sua, a nossa e a do outro.
É um trabalho de construção de identidade cultural, no entendimento de Lipiansky (1992).É também um trabalho de socialização que envolve a linguagem, as representações sociais e a cultura que se interpenetram.Aborda o conhecimento entendido por ela como investigação permanente, dependente da experiência do sujeito e como processo social e ideológico.
O conhecimento acontece na inter-relação presente-passado-futuro,em uma relação dialógica e histórica, sempre em movimento de sentido e sujeito, constituído pelo, para e no sujeito.
O conhecimento não é estático, não é posto nem dado, mas está em movimento como a menor partícula do universo, que não é estático.
Para ela ocorre a transferência do conhecimento, na dupla dimensão :repetição,deslocamento, na atualização do passado, na situação do presente, que é o próprio deslocamento.
Os princípios são o manejo sem indução e o conhecimento.
Na transferência estão presente três ações - suscitar,instaurar,construir - que remete a uma construção permanente.
Ressalta o papel da família, da escola e da mídia na atualidade,sendo a escola o depositário da ética-discursiva de sua comunidade.
Classifica o aprendiz como profissional da aprendizagem, o professor como profissional do ensino que assim se tornaram via preparação para a vida em uma relação dialógica. A sua atuação se dá pela competência social que é definida como a capacidade de colocar em jogo a motivação, a antecipação, a utilização do que for adquirido. É conforme reafirma antes um processo dialógico que envolve estabilidade, responsabilidade, imagem positiva de si, esforço contínuo que se revelam no ato de aprender e de ensinar, num momento incompleto do sujeito pelo outro sujeito.
Encerra o artigo propondo a reflexão sobre o papel do aprendiz e o papel da formação de professores no contexto de final de século dominado pela globalização da economia e pelas novas leis de mercado.

Síntese Pessoal
Gostei do texto, salientando a transferência como resultante do processo dialógico, dinâmico baseado em questionamentos , considerando a realidade histórica e os diversos elementos implicados nesta dinâmica.
É importante frisar que é necessário para que este processo de transferência de conhecimento ocorra é preciso que o professor tenha conhecimento deste conceito e do comprometimento implicado nisto, fazendo-o repensar seu papel, sua atuação que está relacionada diretamente com a atuação e/ou resposta do aluno.Voltamos àquela concepção de aprendiz para ambos os pólos da relação, na qual o professor tem de se colocar como elemento também em movimento, em construção e não como depositário de conteúdos, pois o vocábulo transferência que é utilizado em vários campos do conhecimento denota a idéia de transporte, de deslocamento, de substituição de um lugar para outro conforme o artigo.
Freud aponta a transferência como fenômeno psíquico que se encontra presente em todos os âmbitos das relações com os semelhantes, o que nos reporta ao texto em análise quando a autora fala que em um dado momento o aluno se libera de um laço e estabelece outro. O estabelecimento destes laços, vínculos com o professor vai ser determinante para uma melhor e mais eficaz transferência, pela identificação que ele consegue estabelecer.
Melanie Klein (1926) fala em vínculo e transferência de papéis [como dissemos acima] que reforça a importância da família, da escola e do professor como partes de um envolvimento afetivo cujos vínculos estabelecidos favorecem a transferência de conhecimento.
É um processo que não dissocia a teoria da prática, que ocorre de forma integrada, interdisciplinar, fundada num sistema ético-discursivo das relações.
Acima de tudo é uma concepção moderna, atualizada, dinâmica que abre espaço para inclusão , para crescimento e troca mútua.


Bibliografia

FREITAS,A. A importância do Conceito de Transferência na relação professor-aluno. Artigo publicado em 2008.07.02 site http://www.ampliareducacional.com.br/ acessado em 2008,07.08
QUESTIONAMENTOS SOBRE CURRÍCULO



A visão inicial de currículo que tinha é uma visão adquirida tempos atrás que consistia numa visão não tão abrangente. O currículo consistia num núcleo de conteúdos fixo , mas devia ter como característica a objetividade e flexibilidade.Através de metodologia adequada deveria promover a preservação da individualidade tomando por base o ritmo próprio da aprendizagem, promover a modificação de mentalidade, a ampliação do horizonte cultural através do desenvolvimento das potencialidades do aluno. Não tinha a amplitude atual. Estava relacionado às teorias tradicionais envolvendo ensino, aprendizagem, avaliação, metodologias, didática, organização, planejamento, eficiência e objetivos.
A visão que tenho agora é de um currículo que é abrangente, inclusivo, com representação de questões de gênero, raça, etnia, sexualidade. Está em consonância com o tipo de sociedade que almejamos,mais justa,mais democrática e que formem verdadeiros cidadãos .
Um currículo nestes moldes é capaz de formar sujeitos críticos, autênticos, dispostos a transformar realidades e não apenas bons receptores de conteúdos passados e assimilados sem maiores reflexões sobre o contexto em que se produziram sua relação com o desenvolvimento da sociedade como um todo e sua repercussão e/ou conexão com o presente, de modo que ele seja capaz de se posicionar de forma crítica.
É mais fácil o aprendizado quando parte de coisas mais próximas do cotidiano do aluno, de situações que ele facilmente identifica e entende, portanto há que se considerar as circunstâncias, as vivências, a situação familiar, econômica e social para a partir delas levá-lo a questionamentos.
O professor tem que ser mais que um simples transmissor de dados. É necessário que ele estimule o pensamento, a análise, a comparação, a partir do que está sendo apresentado e a realidade do aluno. Imbuído de sua autoridade pedagógica tem de ser mais do que alguém que discorre sobre determinado assunto, mostrar que vive suas convicções, levando o aluno a formar as suas, baseado na observação e na análise crítica. Ele tem de ser exemplo, tem que falar uma linguagem na qual o aluno identifique respeito, sabedoria, comprometimento, verdade.
O aluno não pode funcionar como simples receptáculo de um saber despejado sobre si. Tem de ser considerado como agente, um transformador em potencial, muitas vezes oriundo de realidades totalmente diversas, com fortes heranças culturais. O educador tem de ser capaz de lidar com estas diferenças, inclusive diferentes linguagens (que por ser diferente, não significam que são erradas), não pode alimentar preconceitos, discriminações.
Deve estimular a interação da escola com a comunidade o que certamente contribuirá para a formação de cidadania democrática, envolvendo a todos no processo.
O educador não pode ter como objetivo resultados iguais, não pode desejar padronização em se tratando de educação, posto que deve considerar diferenças individuais, além de respeitar o ritmo próprio.
Não podemos esquecer que uma boa educação passa também pela valorização do professor.
A educação tem que levar o aluno a pensar, a refletir, a formar conceitos, ao discernimento, em última análise, aplicando o que foi elaborado para alterar sua própria realidade, visando inserção e crescimento. Através da educação realmente transformadora (geradora de paz social) ele é capaz de ascender socialmente, modificar todo um contexto e viver melhor com maiores e melhores oportunidades de realização pessoal e profissional.
RESENHA CRÍTICA


O CONCEITO DE VERDADE E SUA UTILIZAÇÃO NO JORNALISMO

Iluska Coutinho

O presente trabalho solicitado pela Prof. Clóris Dorow sobre Enunciação, devendo ser apresentado em forma de resumo, com análise crítica embasada em autor por ela indicado da respectiva disciplina.
Escolhemos tal artigo no site www.metodista.br/unesco/gcsb/index.htm
Cujo tema nos interessa, ou seja, verdade, notícia, enunciação. A autora do trabalho é jornalista, doutora em comunicação Social e Mestre em Comunicação e Cultura.
O trabalho da autora está dividido em quatro partes que são:
O conceito de verdade e sua utilização no Jornalismo
A verdade e as línguas originárias
O problema da verdade e suas concepções na filosofia
A verdade no Jornalismo
O artigo tem como proposta refletir sobre o conceito de verdade através da análise de suas raízes filosóficas com destaque especial sobre a significação da verdade nas línguas originárias o que tem importância extremamente relevante para a qualificação do trabalho jornalístico Estuda as aproximações entre os conceitos de verdade e realidade.
Na primeira parte tenta buscar os diferentes entendimentos e apropriações sobre o que seria de fato a verdade. O conceito de fato está muito relacionado ao de verdade.
Busca como objetivo do trabalho compreender de que forma o conceito de verdade é experimentado pelos jornalistas e como é usado para produzir a notícia.
Na segunda parte conceitua a verdade a partir das suas acepções nas línguas que embasam o pensamento ocidental. Diz sabiamente no seu texto que é indispensável entender a origem dos discursos, as construções históricas que permitem a ocorrência de enunciação [grifo nosso] no tempo presente compreendida como verdadeira como no caso das matérias jornalísticas.
Uma importante constatação da autora:
O uso dos tempos verbais é sinal de diferenciação entre as formas de enunciar a verdade nas L.originárias. Na origem latina verdade é,”Na verdade semântica veritas”, histórica e relacionada ao passado, ou refere-se a um tempo que precede sua construção no momento da enunciação.
Para o grego o significado é “alethéia” cuja significação é desvelamento, conceito que liga ao presente.
Para os hebreus tem o mesmo significado de “emunah” , mesma origem de amém e se dirige a uma noção de porvir.Há diferença no entendimento de verdade para gregos e hebreus. Para os primeiros “um ato de revelar” para os hebreus é desconfianças.
Para a lógica o interesse se prendia na correção e/ou coerência semântica do discurso, da enunciação.
Aborda em outra parte do texto a verdade e suas concepções na filosofia.
Para os filósofos a verdade absoluta é Deus.
O que definiria um enunciado como verdadeiro para alguns é a adequação, para outros a correção e ainda para um terceiro grupo fundado em uma relação nominal.(Hanna Arendt :2000)
Para Ferrater Mora as concepções dependem das concepções das diferentes culturas.

Na concepção moderna desenvolveu-se a concepção idealista. Aconcepção de verdade está ligada a um tempo histórico.Surge a concepção de verdade lógica e gnosiológica. A distinção é o uso do vocábulo em dois sentidos . No primeiro caso se refere a uma proposição e no outro a uma realidade externa a sua enunciação.
No primeiro caso a proposição verdadeira é diferente da falsa,no segundo a realidade verdadeira difere da aparente.
Para Platão a verdade se aplicava primeiro ao objeto, ao sujeito e depois ao enunciado.
Aristóteles diz que a verdade estaria ligada ao ato de dizer. Assim não existiria verdade sem enunciado, mas este não basta a si mesmo como verdade. Pressupõe a existência de uma materialidade exterior ao enunciado, verdadeiro ou não.
Kant diz que verdade é a “verdade do conhecimento”, pra Hegel a idéia é a verdade,não se constituindo nunca na expressão de um fato isolado ,mas sim uma verdade ontológica,indivisível.
Heidegger verdade são respostas que o homem dá ao mundo. Perde o critério de absoluto, indivisível, por isto usa no plural.
Foucault diz ser a verdade a expressão de uma determinada época, portanto, cada qual com sua verdade e seu discurso.
Para Nietzsche não há verdade, tudo é mentira. Verdade se resume a uma busca utilitária.
Aristóteles elaborou dois fundamentos de verdade, o primeiro é de que a verdade estaria no pensamento e na linguagem, o segundo é que a sua verificação é exterior a ela.
O conceito de verdade liga-se a cinco variáveis ou pressupostos:
1- correspondência e concordância;2-revelação ou eficácia;3- conformidade a uma regra ou verificabilidade;4-coerência;5-utilidade ou propriedade física.
A corrente de verdade como revelação tem duas correntes : a empirista e a teológica.
Para Hobbes o conceito de verdade é de natureza semântica.
Na verdade semântica o” ser verdade” e visto como um predicado de certo enunciado ou proposição (predicados metalógicos.A verdade e a falsidade são formais, não dependem do conteúdo. Também é possível ter situações empiricamente verdadeiras mas falsas na concepção lógica. A lógica seria a teoria do pensamento correto.Para os idealistas a verdade é a ausência de contradição, já a gnoseologia é a teoria do pensamento verdadeiro.

A Verdade no Jornalismo
Segundo Lustosa a notícia é o relato, não o fato, o que de acordo com a verdade filosófica a caracterizaria como expressão da verdade e não verdade absoluta.
Na verdade as pautas jornalísticas delimitam e recortam a realidade a se enunciada, além do enunciado ser uma interpretação do fato, que também é carregada de intencionalidade . Por volta dos anos 50 a imparcialidade foi estabelecida como princípio ético. Sodré alertava que “o jornal é menos livre quanto maior for a empresa”, opinião esta corroborada por Elcias Lustosa que diz:” por sua origem e pelos seus defensores a imparcialidade não passava, e não passa , ainda hoje,de mera retórica, sendo usada para preservar discurso e os interesses do próprio veículo.
Alguns editores se referem à verdade como uma abstração.Autores como Japiassu questionam:”Caso existam informações objetivas quem controlará a objetividade destas informações?” Segundo ele não haveria informação e conhecimento isentos de uma intencionalidade.
Conforme Vita “de modo algum deve misturar interpretação subjetiva com descrição do fenômeno.
Embora todas as prescrições e expectativas segundo a autora do texto na prática seria definida como o ideal de Max Weber, isto é como padrão referencial a ser atingido.
Os jornais são tidos apesar da impossibilidade da imparcialidade , como instrumento de descrição da realidade por boa parcela de público o que fornece o status de verdadeiro a seu conteúdo.
Misturam-se , no jornalismo os conceitos de verdade e ética
. No afã diário a verdade poderia ser considerada como fundamento da realidade, com a confirmação ou confirmação dos dados que embasam uma notícia tida como verdadeira ou verídica.
Na filosofia foi Descartes que emitiu o conceito de realidade .As idéias como objeto do pensamento deveriam corresponder ao concreto, não ao ilusório, idéia esta confirmada por Kant.
Ao considerar a verdade jornalística como expressão da realidade ela está sendo alvo de interpretação filosófica que liga a verdade ao “desvelamento” o qual pode estabelecer distorção dos fatos ainda mais pelo fato da produção da notícia , nos tempos atuais , ocorrer em escala industrial, sem a real apuração dos fatos.

Como na maioria das vezes, os repórteres não se encontram nos locais dos fatos os manuais que norteiam as atividades jornalísticas das grandes empresas orientam pela coleta de mais de 02 fontes de informação.Embora todas as orientações ainda saem enunciados que indicam que a fonte não foi encontrada ou tentam apagar as marcas do enunciador para trazer legitimidade e credibilidade ao discurso.
Os críticos como Manuel Chaparro em Pragmática do Jornalismo lamenta a falta de obrigatoriedade da busca da verdade, aliada à supressão de funções que tem de ser abarcadas por outros profissionais que acumulam funções numa tentativa de dar conta do processo industrial de produção. Encontra-se ainda críticas no que tange a perda de valores jornalísticos em função do marketing, da publicidade que sem dúvida limita muito a independência e imparcialidade quando por trás de um fato estão grandes marcas e grandes quantias envolvidas.
Grupo de Jornalistas autodenominado de “Comitê dos Jornalistas Preocupados” realizou 21 discussões e uma pesquisa com 300 jornalistas resultando em uma publicação na qual diz que os próprios jornalistas nunca tiveram uma noção clara do que querem dizer com veracidade. Grande parte dos jornalistas sempre desvalorizou o ensino profissional, ficando as teorias só nas cabeças dos acadêmicos.
Na realidade , a prevalência e observância deveria ser com relação ao artigo sétimo do Código de Ética aprovado em 1987 no Congresso Nacional de Jornalistas que diz que “o compromisso fundamental do jornalista é com a verdade dos fatos, e seu trabalho se pautar pela precisa apuração dos acontecimentos e sua correta divulgação.”



SÍNTESE PESSOAL

Ao ter que escolher um texto sobe enunciação para o presente trabalho escolhemos justamente um texto sobre a atividade jornalística por ser este um assunto que nos interessa e sobre o qual pretendemos realizar nosso trabalho de final de curso.
Apesar da prescrição de objetividade e exatidão como norteadores da atividade jornalística, Benjamin (1983) diz que “informar é abreviar” e Corrêa completa dizendo “é também escolher o que vai ser considerado como excesso”. Ora se existe escolha, existe posicionamento o que por si só já coloca por terra a idéia de objetividade e neutralidade porque vamos encontrar a marca do enunciador no enunciado. Isto vai de encontro a colocação de Benveniste ao dizer “enunciação é a colocação em funcionamento da língua por um ato individual de utilização.”Propõe a marcação da subjetividade na estrutura da língua.
O novo Manual da Redação da Folha de São Paulo traz no verbete objetividade o que se segue: Não existe objetividade em jornalismo. Ao escolher um assunto, redigir um texto e edita-lo, o jornalista toma decisões em larga medida subjetivas, influenciadas por suas posições pessoais, hábitos e emoções. Isto não o exime, porém da obrigação de ser o mais objetivo possível. Para relatar um fato com fidelidade, reproduzir a forma, as circunstâncias e as repercussões, o jornalista precisa encarar o fato com distanciamento e frieza, o que não significa apatia e desinteresse.

O Manual fala ainda na Exatidão como “qualidade essencial do jornalismo”.
Não é possível desconsiderar também a função social do jornalismo e ao mesmo tempo é um produto de consumo inserido em um sistema. Daí não pode-se considerar a transparência da linguagem considerando que ela determina e se encontra em um contexto institucional.Há que se considerar também a carga avaliativa que o jornalista transfere para seus textos.
Não é possível ignorar que a linguagem é constituída por um aspecto material (a língua,) atravessada pela história e pela ideologia e que isto se faz presente na enunciação. Conforme Bakhtin por nós estudado no decorrer das aulas “o ser humano não pode ser concebido fora de suas relações sociais, portanto a linguagem é social. Qualquer situação de comunicação (enunciação) será definida pelas reais condições de enunciação, ou seja, a situação social do momento.”.
Voltando a Benveniste a enunciação é a atividade lingüística daquele que fala no momento que fala. Então é possível identificar em cada enunciado realizado pistas ou marcas lingüísticas, que evidenciam o sujeito, visto que embora se encontre disperso no enunciado, é possível ser identificado.
Os fatos são a matéria prima do jornalismo e descrever um fato com correção e inteligência exige sensibilidade, informação sobre o assunto e conhecimento do idioma conforme Manual da Folha de São Paulo.
Isto nos leva a crer que por mais que o profissional trabalhe com objetividade, clareza, ética e busque revelar a verdade sempre vai ser possível identificar as marcas do enunciador no enunciado. A linguagem não é uma mera ferramenta de trabalho uma vez que possui extrema relevância na construção dos fatos.
Corrêa afirma que os fatos enquanto notícia é uma construção de visões.

Bibliografia:
MAINGUENEAU, Dominique. Termos-Chave da Análise do Discurso,Editora UFMG,2006
KRONKA, Gabriela Zanin. Jornalismo e questões de linguagem: a importância do Jornalista pesquisador, site: www.comciencia.br acessado em 05.03.2008.
Aragão, Verônica Palmira S. PAULIUKONIS, Maria Aparecida. As marcas da enunciação, site: www.filologia.org.br acessado em 11.06.2008.
BARBOSA, Marialva (COORD) GT HISTÓRIA DO JORNALISMO, II Encontro Nacional da Rede Alfredo de Carvalho, extraído do site www2.metodista.br/unesco acessado em 11.06.2008
REFLEXÃO



REFLEXÃO COM BASE NOS SEGUINTES TEXTOS:

Diferentes usos do Computador na Educação
Tecnologia e educação: o futuro da escola na sociedade da informação
Um modelo pedagógico para a utilização de espaços virtuais de aprendizagem

Através da leitura dos textos acima referidos pudemos constatar, primeiramente, que os três se complementam visto que abordam sobre um mesmo assunto, qual seja a utilização do computador e toda uma gama de tecnologias e suas amplas possibilidades como instrumento pedagógico , como um meio extremamente valioso de enriquecimento da aprendizagem. Abordam conjuntamente o papel do aluno e do professor.
O primeiro texto, de José Armando Valente fala nos pressupostos básicos para a efetiva implantação do computador na esfera pedagógica, que são:o computador, o software educativo (os programas que possibilitam a interação aluno-computador), o “professor capacitado” [grifo nosso] pois não adianta ter um professor que resista às inovações, que não enxergue a riqueza de possibilidade, que não domine o uso da máquina, que desconheça seus diferentes usos e, finalmente, o quarto elemento que é o aluno.
Para o autor o ensino pelo computador deve possibilitar e permitir que o aluno adquira o domínio sobre qualquer assunto ou área de conhecimento e não servir apenas como fator de propaganda e marketing da escola possibilitando o uso de computadores de 02 a 02 alunos durante 01 hora por semana, ou como forma alternativa em períodos ociosos.
A abordagem pedagógica oscila entre dois pólos, porém com os mesmos elementos e a maneira como é usada é que vai indicar a polaridade: em um lado o computador através do software ensina o aluno , sendo o computador encarado como um auxiliar que substitui o livro ou o papel e do outro o aluno ensinando o computador que ocorre através de linguagens específicas para isto (BASIC,Logo,Pascal) no qual o aluno representa as idéias de acordo com o software .O aluno pode através desta ferramenta resolver problemas desenhar, realizar tarefas, escrever e comunicar-se.
Podemos, então relacionar este posicionamento do autor com aqueles dados no texto Tecnologia e Educação:o futuro da escola na sociedade de informação que aborda o computador na escola como: Ensinante, Aprendente,como ambiente de aprendizagem e como ferramenta de aprendizagem, que já nos referimos no trabalho solicitado anteriormente.
Voltando ao primeiro texto o autor complementa as suas colocações enfatizando que o computador pode ser considerado em 03 acepções,nos dando um pouco de história, vantagens e desvantagens de cada uma das modalidades citadas salientando a sua relevância numa época em que muitas coisas são ensinadas hoje e como em um passe de mágica tornam-se obsoletas. Salienta a importância do aluno buscar a informação e transforma-las em conhecimento, transformando sua realidade e através das inúmeras possibilidades que poderão melhor se adaptar a cada um dos usuários.
As concepções de ensino e aprendizagem são:
O computador como máquina de ensinar (tutoriais,exercício-e-prática,jogos e simulação), o computador como ferramenta (o aprendizado ocorre por estar realizando uma tarefa por intermédio do computador),o computador como comunicador (transmissor de informações através de redes)
O terceiro texto verificado amplia as possibilidade dos dois autores dos livros citados acima enfatizando como os espaços virtuais de aprendizagem podem ser atraentes por apresentarem a possibilidade das atividades serem desenvolvidas individual e separadamente, bem como combinadas, agrupadas e integradas, proporcionando um novo espaço de modelo institucional.
Este enriquecimento ocorre pela viabilidade de misturar três tecnologias eletrônicas, a do computador, de multimídia e de rede, que tem por base tecnologias especiais para comunicação,transmissão exibição,busca,acesso,análise,armazenamento,realidade virtual e gerenciamento.
Juntas elas permitem que o computador realize diferente funções técnicas (10) que se transformam em funções pedagógicas e que por sua vez tem como resultado dez novos espaços de aprendizagem que são:

Novos F. Técnicas e Funções Pedagógicas Espaços de Aprendizagem
Apresentação da informação Espaços de Instrução
Armazenamento Espaços de documentação
Recuperação Espaços de Informação
Comunicação Espaços de Comunicação
Colaboração Espaços de Colaboração
Browsing Espaços de Exploração
Multimídia Espaços de Multimídia
Hipertexto e hipermídia Espaços de Hipertexto
Simulação Espaços de Simulação
Realidade virtual Espaços de Realidade Virtual

Desta forma constatamos que Petters transformou as ferramentas , aplicativos, linguagens, funções num grande ambiente propício a aprendizagem à exploração de todas as possibilidades do computador e do aluno.
Vale ressaltar que aqueles que pensam que isto pode ser motivo de extrair o professor deste contexto,erram pois o professor é peça de inegável responsabilidade e valor mas para isto é importante que ele próprio se conscientize disto e se coloque como aprendente, sempre disposto a crescer, a dominar a máquina , a tecnologia e encara-la como um aliado , não como um entrave, um concorrente posto que os avanços são irreversíveis e inegavelmente ricos.Embora muitos digam que a atualidade tem como característica a globalização e a ditadura do pensamento único, temos que perceber que, ao contrário, isto possibilitou conhecer as inúmeras diferenças, as minorias, a diversidade ao mesmo tempo em que no âmbito da aprendizagem permitiu agregar não só estas minorias como conceder-lhes autonomia pois tem inúmeras possibilidades de escolha que poderão ser utilizadas de forma até a diminuir a evasão escolar.
O assunto e os textos são interessantes mas temos que ter em mente que sempre o resultado da máquina será de acordo com o olhar que o professor e as instituições de ensino tiverem sobre ela e suas possibilidades, pois se o homem descartá-la –o que seria uma alienação na época atual- estará decretando um descompasso entre o ambiente pedagógico e a sociedade.
RESENHA CRÍTICA



Sobre a natureza fonológica da ortografia portuguesa
Maria Helena Mira Mateus


O artigo é escrito por Maria Helena Mira Mateus, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa FLUL e Instituto de Lingüística Teórica e Computacional ILTEC e tem como objetivo argumentar sobre a natureza fonológica da ortografia portuguesa e a partir da afirmação acima daí discutir a vantagem e eficácia da simplificação da ortografia.
Analisou ao longo do texto de 19 páginas, primeiramente o acordo de maio de 86 que levantou entre Portugal e Brasil uma polêmica sobre a ortografia Portuguesa. O Objetivo era eliminar diferenças na escrita dos dois países, porém foram além destas diferenças e pretenderam simplificar a ortografia retirando consoantes (mudas),acentos (de esdrúxulas), hífens (de compostos).
Faz uma análise histórica discorrendo desde as primeiras gramáticas portuguesas, onde já começa a aparecer o termo ortografia, como a de 1536(Gramática da Lingoagem Portugueza) de Fernão de Oliveira, que classifica a Ortografia a par de Acento, Etimologia e Analogia; a de 1540 de João de Barros (Gramática da Língua Portuguesa) onde a Ortografia é apresentada como uma das quatro partes nas quais os latinos dividem a gramática e define Ortografia como a “ciência de escrever dereitamente”.
A ortografia procurava, na medida do possível, transmitir graficamente a pronúncia da língua recém nascida cheia de formas latinas.
A partir do renascimento é percebida a influência das formas etimológicas, embora em ocasiões interpretadas de forma errônea o que acarretou a introdução, na escrita do português, de letras existentes nos vocábulos latinos e gregos como o c em fecto e de factun, o emprego das consoantes duplas (fallar) e dígrafos ph, ch, th, rh (mantidos por muitos anos em pharmacia, lythografia, Matheus).
Guilherme Ribeiro diz que foram introduzidas letras que não eram pronunciadas como esculptura, astma, character.
O y apareceu em muitas palavras tais como lythigrafia, typoia e lyrio.
A autora ressalta obras de 1666, 1734,1822 onde aparecem opiniões conservadoras e propostas inovadoras.
Durante o século XIX e XX é discutido sobre uma maior aproximação da ortografia à oralidade em títulos publicados em 1853,1861 e 1875.
Em 1920 Piero Gato publicou no Brasil a “Ortografia fonética da língua Luzo-brasileira”
Em 1911 ocorreu a reforma pretendendo uniformizar a escrita e criar uma ortografia que visava à simplificação de muitas formas gráficas que mantinham uma relação mais próxima com a etimologia. Foi a primeira reforma oficial em Portugal e modificou o aspecto da língua escrita aproximando-a da atual. Esta reforma é que estabeleceu a ortografia que a autora do artigo classifica de natureza fonológica (grifo da autora) o que não significa que seja um reflexo direto e biunívoco do sistema fonológico da língua. Considera que nenhum sistema ortográfico é exclusivamente de um único tipo (etimológico, filológico, fonético ou fonológico).
A autora procurou ao longo do artigo “identificar e discutir em bases fonológicas os numerosos exemplos do sistema ortográfico português em que um único símbolo gráfico cobre diferentes realizações fonéticas e de outro lado, dois símbolos são representações de oposições fonológicas”.
Analisou a variação dialectal, a representação de um som por letras diferentes, a ortografia e a variação contextual de forma detalhada para explicar didaticamente ou cientificamente um dos problemas que dificulta a aprendizagem da ortografia, que é justamente a impossibilidade da ortografia representar de forma exaustiva a variação contextual dos elementos fonológicos.
O objetivo do artigo foi em toda sua extensão fundamentar a afirmação inicial de que a ortografia portuguesa é de natureza fonológica e discutir a vantagem e eficácia da sua simplificação.




CONSIDERAÇÕES PESSOAIS

A escolha do texto sobre a natureza fonológica da ortografia portuguesa de Maria Helena Mira Mateus foi em virtude de dois fatores primordiais, quais sejam, tratar a respeito da ortografia cujo conteúdo é por demais interessante levando-se em conta a importância da boa escrita, ou escrita correta por qualquer pessoa, independente da profissão escolhida como forma de tornar a comunicação escrita mais clara e eficiente, e pela questão fonológica não ser por demais minuciosa, ou complexa o que para mim se configuraria em dificuldade visto não ser originária da área de letras. Creio que associado à isto tive a felicidade de escolher tal texto bem na época da aprovação por Portugal das alterações da língua portuguesa, cujas negociações começaram em 1980, alterações estas que nos remetem àquelas citadas pela autora nos anos de 1911 e 1986. O acordo de 1986 nos induz à questão sociológica e política referente ao binômio COLONIZADORXCOLONIZADO que permanece até hoje, quando um dos impasses para esta reformulação era, justamente, a idéia de que Portugal não poderia ceder em mais aspectos que o Brasil para tal uniformização, imbuídos da idéia “Pátria Mãe” que pressupõe autoridade maior de sua parte e, por conseguinte, a submissão ou subserviência do Brasil a tais ditames.
O acordo ortográfico atual que deverá vigorar em 2009 e os livros didáticos deverão circular até dezembro de 2011, dependendo do conteúdo do decreto presidencial.
Segundo o professor Luis Amaral, professor de Lingüística da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Pelotas, publicado no Diário Popular de 22 de Junho, em matéria de Michele Ferreira, “o acordo não lida com a questão cultural nem com o ensino da gramática, avança muito pouco”. Remete ainda a reforma de 1971 quando surgiram as regras de acentuação das oxítonas e caíram os circunflexos de palavras como fôr e enfêrmo [grifo nosso]
As alterações contempladas no acordo atual seriam originárias da Academia Brasileira de Letras e de Academia Portuguesa, portanto da elite e não lideradas pela comunidade diz ainda a matéria. A mudança atingirá cerca de 0,42% das palavras no Brasil e 1,42% do vocalurário em Portugal.
Vale ressaltar que o Português é a terceira língua mais falada ficando atrás só do Inglês e espanhol (considerando o ocidente). Dos falantes 190 milhões são brasileiros e o restante dividido entre sete nações e três continentes: São Tomé e Príncipe, Guiné Bissau, Angola, Moçambique e Cabo Verde na África, Portugal (Europa) e Timor Leste (Sudoeste da Ásia) que só se independizou e aderiu ao acordo mais recentemente.
As novas alterações conforme publicado no Diário da Manhã de 01.06.2008 são as seguintes:
_ O alfabeto passará a ter 26 letras, ao incorporar “K”,”W” e “Y”;O trema deixará de existir só permanecendo em nomes próprios como Hübner, Muller;
_o acento agudo desaparecera nos ditongos abertos “ei” e “oi” em palavras como “idéia” e “jibóia” e nas palavras paroxítonas com “i” e “u” tônicos, quando precedidos de ditongo em palavras como feiúra;
_o acento circunflexo desaparecerá em palavras com duplo “o”, como em “vôo” e “enjôo” e na conjugação verbal com duplo “e”, como “vêem” e “lêem”;
_ o acento diferencial não será mais usado para diferenciar “pára” (verbo) de “para” (preposição) ou “pêlo” (substantivo) de pélo (verbo) e pelo (preposição mais artigo);
_desaparecerá o hífen em palavras em que o segundo elemento comece com “r” e “s”, como em anti-rábico e “anti-semita”, que passará a “antirrábica” e “antissemita”. Permanecerá quando o prefixo terminar em “r” como em “inter-racial”.
As alterações envolvem além das questões lingüísticas, questões políticas e o assunto não se esgota aí. A Professora do Centro de Educação e Comunicação da Universidade Católica de Pelotas, Ana Viana, conforme Diário Popular, edição já citada defende a idéia de revisão de normas e a criação de uma gramática do Português Brasileiro que incorpore, com fundamento nas investigações científicas “adequações feitas pela oralidade ao longo da história, pois a língua é algo vivo, que faz parte da identidade de um povo”.
Vivemos em uma época de globalização, de internet, de rapidez, simultaneidade, do poder da mídia que “uniformiza” , mas que ao mesmo tempo permite a visualização do “diferente”. É justamente o respeito pela diversidade que me leva a entender que muitas leis não vigorem, muitos acordos não sejam eficazes por não atenderem aos anseios da sociedade além de não conseguirem contemplar toda a diversidade contida nos signatários. Este pode não ser diferente, visto que são oito países signatários sendo o Brasil um país continente no qual temos uma rica diversidade de culturas, etnias e dialetos.Não podemos ignorar que não é possível considera tal acordo como algo definitivo, como não foram os anteriores mencionados pela autora do artigo, posto que a sociedade se modifica, se transforma, evolui e , não raro, até retrocede para posteriormente empreender maiores avanços.
Temos que entender como uma tentativa para gerar melhor comunicação entre os falantes de uma mesma língua,através de uma ortografia mais uniforme, de modo a gera mais equilíbrio, mais entendimento e, por conseguinte relações que podem ser mais harmoniosos na medida em que todos os signatários aprendem o exercício da mediação, da tolerância, aprendem a ceder em prol do bem de todos o que sem dúvida é gerador de relações mais pacíficas.


O artigo objeto do trabalho foi extraído do site:http://www.iltec.pt
ANÁLISE DE TEXTO SOBRE ANÁLISE DO DISCURSO



O FUNCIONAMENTO DISCURSIVO DA IRONIA
EM GALVEZ, IMPERADOR DO ACRE

Brenda Maris Scur Silva



O capitulo acima é o de número seis do Livro A Leitura e a Escrita como práticas Discursivas organizado por Aracy Ernst-Pereira, Suzana Bornéo Funck. Pelotas:Educat,2001.
O tema do texto é o estudo da Ironia como marca lingüística no livro Galvez, Imperador do Acre de Márcio de Souza.
A autora define a estrutura do livro como estratégia narrativa dividida em 04 capítulos divididos por épocas ou seja:
Capítulo 1 – Novembro de 1987 a Novembro de 1898:
Capítulo 2 -Em pleno Amazonas
Capítulo 3 - Manaus, Março/junho 1899;
Capítulo 4 – O Império do Acre – Julho/Dezembro de 1889.
Cada bloco também está subdividido em capítulos e inúmeros documentos oficiais como atas, decretos, ofícios, ordens de serviço, despachos, portarias, documentos diplomáticos além de outros de outra natureza como diálogos, bilhetes, agendas, máximas, descrições científicas da flora local além de outros.
O livro de Souza foi citado por Beth Brait, em Ironia em Perspectiva Polifônica (1996) junto de outros livros importantes como Memórias de um Sargento de Milícias, Memórias Póstumas de Brás Cubas entre outros como inserido em definitivo numa prosa literária de ruptura, através do humor, concebido como processo de desmascaramento da história oficial e crítica, a partir de um procedimento interdiscursivo irônico exemplar.
O livro constitui-se como um olhar diferenciado sobre o mundo criado pelo Ciclo da Borracha.
Vamos destacar as considerações da autora do capítulo em análise, sobre a ironia:
_ a ironia está a serviço da resistência e da transgressão;
_é um traço de linguagem revelador de uma posição de sujeito determinada;
_ao comentar a epígrafe usada por Márcio de Souza no início de cada capítulo, o autor recorre a elementos elaborados em outra época, em outro contexto social, econômico e cultural, que intervém de forma não escancarada, criando um efeito de transgressão.
A utilização de textos do Barroco espanhol, ao iniciar os capítulos, indica também o caráter transgressor, porque o Barroco é assim entendido em relação à estética clássica.
A citação na epígrafe de autor com o perfil de Cervantes (satírico, mordaz, crítico, implacável) indica os caminhos temáticos-expressão verbal de juízo axiológico-predominantes na obra, ao mesmo tempo que endossa os críticos que a inspiram.
Os autores considerados autoridades como Cervantes, Calderón de la Barca e Lope de Veja, cujo discurso é retomado em Galvez, apresentam a ironia como procedimento discursivo marcante, dirigido a um destinatário.
O autor Márcio Souza reflete no relato de coisas do passado o presente caótico da realidade brasileira e latino-americana, através de uma prosa impregnada de humor e de sutilezas literárias, que se inscrevem num vasto espaço intra e interdiscursivo, no qual falam de diversas vozes cuja dimensão e finalidade é causa e efeitos de sentido, subordinados a um programa eleitoral.
Nos capítulos 1 e 2 a autora conseguiu mostrar a aproximação de Galvez, herói do livro, ao herói de Calderón de La barca citado na epígrafe, com os heróis Cervantinos (homem dividido entre o sonho e a realidade, a luta pelo poder, a caricatura da vida humana e o risível desta aventura).
O sentido não existe em si mesmo (Pêcheux: 1975). Ele sofre um processo de conformação e determinação segundo as posições ideológicas que estão em jogo nas situações sócio-históricas que as palavras são produzidas e interpretadas. (Pêcheux: 1975)
As epígrafes constituem-se na materialidade lingüística que ativam as redes de memória e são uma forma de convocação do já-dito.
Neste trecho relaciona e analisa trechos do império de Sancho Pança, Segismundo e Galvez (anti-heróis) justificando plenamente a ironia contida nas entrelinhas. Mostra, ainda, a ironia na coincidência de datas, como a queda do Império de “Puerto Alonso” coincidindo com a Queda da Bastilha, na França. Coincidem o fato histórico sério com o fato gerado da ficção considerado uma aventura, no que a autora observa marcas relacionadas impossíveis de serem negligenciadas.
Considerando que o texto de Galvez foi escrito em tempos de ditadura militar, analisar o jogo das formas de identidade através do que é dito, o não dito surge e a relação se estabelece claramente, mostrando-se, então, o texto em questão, como um espaço de resistência e transgressão ao regime ditatorial através da crítica irônica.
Nessa atribuição de sentidos estabelece outro vínculo, como do Império de Galvez com o carnaval, que remete ao humor, a franqueza cínica, o desmascaramento profanador do sagrado e a veemente violação das regras do discurso dito sério.
Estabelecendo ligações entre a obra de Márcio Souza com Lope de Vega a Professora Brenda aponta as marcas da ironia, da transgressão, da inovação, pois o segundo embora acatasse as leis e teorias até então vigentes no século XVII, proclamava o direito de inovar, a mesclar o cômico e o dramático, antecipando-se ao romantismo.
Ao se reportar a Lope de Veja, que defendia o Barroco em cuja literatura o homem aparecia em sua dimensão trágica e cômica o autor traz ao seu texto o duplo sentido, instaura a incerteza, remete para o indefinido das interpretações, e ao fato de que todo enunciado pode se destacar discursivamente de seu sentido para derivar para outro.
Como o processo de produção de sentidos é subjetivo, a intertextualidade, o diálogo interdiscursivo com o século XVII se dá através de estratégias dialógicas calcadas na ironia que desestabilizam os costumes, os elementos literários, social e historicamente sedimentados, que se valem do humor como forma de subversão e desmascaramento, configurando a ironia como um jogo de luz e sombra a serviço da resistência e transgressão.
Ao longo de todo o trabalho de análise a professora segue mostrando através das epígrafes, as correlações existentes, embasada em Orlandi, Pêcheux. Ao dialogar com o passado, com o contexto social, econômico, cultural, político e ideológico o autor reinterpreta através da crítica e da ironia a conquista do Acre.
O recurso de evocar os eventos do passado funciona como forma de atualização desses eventos históricos, recuperados esteticamente, e, de forma indireta, como crítica do momento vivido pelo autor na época da escritura, ou seja, a ditadura instaurada na década de 60 e 70 no Brasil.
GALVEZ segundo a professora Brenda analisa é um texto polissêmico o que importará tantas interpretações quantos analistas estiverem dispostos a participar do espaço lúdico aberto pelo discurso literário; assim como o mesmo analista poderia, em diferentes épocas, interagir diferentemente com um texto “bólido de sentimentos”, como é o caso da obra de Márcio Souza.
A polissemia é caracterizada pela alternância de do narrador (N2), que é um discurso coloquial, com os discursos pertencentes ao mundo das ciências, como por exemplo, o discurso da história.
A autora do artigo conclui que a frase colocada no início de GALVEZ, afirma exatamente o que nega. A obra montada a partir do romance folhetim se confirma como mais irônica impossível.
A literatura cumpre assim seu papel: instrumento de descoberta, avaliação e conscientização de uma dada realidade, de uma dada época, enquanto o homem, defrontado com esse mundo de significados, interpreta.


CONCLUSÕES PESSOAIS

Creio que ao fazer as conclusões deste artigo sobre análise do discurso (não me atrevo a falar em crítica) devo dizer que embora tenha de falar sobre as questões relacionadas aos seus pressupostos não poderia deixar de falar nas questões pessoais que eu creio tenha interferido desde a escolha do texto, até o desejo que foi despertado de ler o livro de Márcio Souza.
Conheci Brenda, fui sua aluna em uma oficina de narrativa no Instituto João Simões Lopes Neto e sem dúvida uma de suas características pessoais que mais me chamou a atenção foi justamente a ironia, a qual se juntavam a perspicácia, o humor, a inteligência, a facilidade de comunicação.
Ensinava, dialogava com os alunos e com as mais variadas correntes literárias de uma forma tão interligada que era necessário muita atenção para acompanhá-la nos inúmeros “links” (assim ela dizia) que fazia para esclarecer, reforçar, aquilo que ela tão bem conhecia.
Não poderia ter discorrido sobre outro assunto senão a ironia e de uma forma leve, irônica, (como ela própria) mostrando que a ironia é uma representação, uma marca através da qual muitas leituras são possíveis.
Bakhtin (1998) em Questões de Literatura e Estética diz que não há um só tipo de discurso direto que não tenha sua contrapartida cômico-irônica.
As epígrafes tão utilizadas e cuja finalidade foi exaustivamente mostrada pela analista, expõem a marca lingüística que a mesma se propôs a mostrar, mas oportunizam várias interpretações de acordo com cada analista.
Bakhtin diz “não se sabe se o autor faz uma citação respeitosa ou, ao contrário, cita com ironia e escárnio”, a propósito da paródia. O mesmo serve para a ironia. A ambigüidade para com o discurso de outrem é freqüentemente proposital.
Como em AD não se trabalha com o texto na íntegra, os recortes feitos pela analista dão conta ou evidenciam a marca que a autora se propôs a mostrar que está presente no texto de Márcio Souza, ou seja, a ironia.
LEITURA, SILÊNCIO E MEMÓRIA.
Leituras Urbanas e práticas de Exclusão
Mônica G. Zoppi-Fontana (Unicamp)


A proposta de trabalho é pensar a prática das leituras a partir da sedução de um texto traiçoeiro, de leitores, escritas, silêncios e exclusões.


TEXTO

A FERIDA
PAINEL RODOVIÁRIO RECOMENDA:
Sr. Usuário, colabore com a segurança. Não dê esmolas, faça suas doações a instituições de caridade.
IMPORTANTE!
Cuidado com estranhos quanto a danos físicos, financeiros e morais.
Se abordado, peça ajuda a seguranças.
SR. PASSAGEIRO
Utilize táxis credenciados, evite serviços estranhos ao terminal.
PAINEL DA RODOVIÁRIA
Em contato direto com o consumidor.
ATENÇÃO!
Colabore com a segurança, não comercialize com ambulantes.
Colabore com a limpeza do terminal.
(Terminal rodoviário de São Paulo, Tietê. Painel eletrônico situado no hall central de espera, abril de 1997-mensagens na seqüência.
Nos espaçamentos, textos publicitários)


A autora desenvolve o trabalho refletindo sobre a prática de leitura a partir do texto acima, ao qual ela se refere como sedutor pela maestria de como foi articulado: seqüência, turgescência (aumento de volume) linearidade.
Analisa o texto impondo uma reflexão sobre a leitura como uma prática discursiva o que induz, naturalmente, a seu processo de produção.
Analisa a produção de sentidos, relacionando as condições sócio-históricas de produção(memória discursiva)
Ao longo do trabalho ela vai se reportando aos pressupostos teóricos da análise do discurso citando conceitos de autores como Pêcheux, Foucault,Orlandi,Authier-Revuz e outros.
Analisa a materialidade do texto e do acontecimento de ler:
-sobre o acontecimento de ler, ressalta:
-Painel eletrônico
-Terminal rodoviário
-Textos publicitários intercalados com textos considerados de utilidade pública.
Resultado disto:
A leitura perde o caráter de permanência;
É fugidia;
A produção de leitura é on line,seqüencial,não permite recuos ou retorno.
Enfatiza que o texto escrito e o processo de leitura são afetados.
Reporta-se a Pêcheux que define gestos como atos no nível do simbólico que intervêm no mundo produzindo efeitos de (des)(re) organização.
Sobre o funcionamento do painel, destaca
- rolar do texto em seqüências que se sucedem,substituindo umas às outras na tela do painel, impõe uma segmentação do texto escrito que funciona no processo de leitura como categorização/ hierarquização dos sentidos produzidos. – Leitura volátil(linear,unidirecional e perecível) Leitura descartável, distraída, descontraída, sem retorno.


Nesta parte cita Orlandi,Gallo, e Foucault.
Foucault refletindo sobre a dispersão dos enunciados no discurso, sobre a aparição e circulação, descreve o funcionamento de diversos mecanismos institucionais e disciplinares que controlam a produção dos enunciados, limitando suas possibilidades de significação.


Na página 54 a autora descreve a situação painel/leitura/leitor de forma muito clara:
O leitor sendo atravessado pela sucessão de mensagens escritas em luzes que piscam, que crescem nas maiúsculas, permanecem nas imagens , se opõem nas cores, e finalmente se apagam, para começar uma nova seqüência, sempre nova para o passageiro que passa,que como o texto, não pára,não permanece, para ver a seqüência se repetir circularmente a intervalos de meia hora, uma hora, uma eternidade para o tempo agitado do terminal ( leitura terminal?)
Reflexão da autora: relação circunstancial: leitor capturado por uma escrita fugaz?
Escrita volátil, esvaecente leitura descartável? Leitor descartável?
Texto perde o suporte físico e permanece como interpretação.
Pêcheux:Todo enunciado é, pois, lingüisticamente descritível como uma série de pontos de deriva possíveis, oferecendo lugar à interpretação.

A seguir tece considerações sobre que tipo de leitor o texto supõe.

Recortes do texto:
Sr. Usuário, Sr, passageiro, seu consumidor (do painel da rodoviária)
Estranhos ( quem são os estranhos ?)
Ver página 55
Estranhos são todos aqueles que não acompanham o leitor. Baseado nas significações de estranhos buscadas no dicionário estariam fora os seguranças, pessoal de limpeza, taxistas, vendedores de lojas, dos guichês, de empresas de transporte, de carrinhos de alimentos, carregadores, mendigos, ambulantes, mas o texto opõe estranhos a seguranças .O recorte (usuário, passageiro, consumidor atinge o leitor)
Outras oposições:
Táxis credenciados x outros serviços estranhos ao terminal; Se estabelece uma organização jurídico administrativa : -usuário, passageiro, consumidor,segurança, credenciados = usuários legítimos. Conseqüentemente um não reconhecimento daqueles outros que não se enquadrem como destinatários.
O texto se apresenta claro, sem modalizações nem marcas de heterogeneidade enunciativa(marcas formais da presença do discurso OUTRO no enunciado)
Seguindo a análise da autora :
Dar esmolas/ fazer doações poderiam ser usados como sinônimo.
É encontrado aí um ponto de deriva,, assim como no caso dos estranhos,onde o enunciado se abre para interpretação.
Então, dar esmolas é errado, fazer doações é certo. Fica subentendida ameaça por parte dos destinatários das esmolas. Coloca então o passageiro, usuário, consumidor como responsável pela segurança do terminal.
O que é silenciado fornece o crivo ideológico para identificação:
Sujeitos credenciados= comportamentos corretos
Leitores ideais= usuários legítimos versus estranhos ao terminal- comportamento de risco, leitores excluídos.
Processos de identificação, práticas de exclusão: sentidos todos condensados na materialidade significante de uma vírgula, de um ponto, de uma justaposição.
Após discorrer sobre pressupostos básicos em análise de discurso a autora explica que através da análise que procedeu no texto do painel rodoviário desejou descrever a maneira como as condições de produção da leitura se inscrevem imaginariamente na memória discursiva, estabelecendo diferentes posições do sujeito com as quais o leitor se identifica e a partir das quais ele interpreta. O sentido e o sujeito se constituem simultaneamente em relação às diferentes formações discursivas que se relacionam com as formações ideológicas que definem uma formação social numa conjuntura histórica dada. O sujeito se constitui enquanto sujeito- leitor pela sua inscrição-identificação com as posições de sujeito definidas nas formações discursivas em jogo no processo de produção de leitura.

O gesto de leitura do painel rodoviário pode ser descrito como processo de silenciamento das interpretações outras que contestariam as evidências sobre as quais o texto recorta o espaço público urbano, construindo a identidade do sujeito (urbano/leitor) a partir das oposições dicotômicas de ordem jurídico administrativa.

sábado, 25 de outubro de 2008

TRAJETÓRIA DE LEITURA E DE VIDA

Isabel Cristina Silva Vargas[1]


Palavras-Chave: leitura, iniciação, desenvolvimento.



O presente trabalho destina-se à avaliação final da disciplina Formação do Leitor, ministrada pela professora Catarina Barboza no Curso de Pós-Graduação em Linguagens Verbais e Visuais e suas Tecnologias.
Ao realizá-lo, mesmo com embasamento teórico necessário, não é possível dissocia-lo de aspectos pessoais mais íntimos que retratam a importância do contexto familiar que aparecerão no decorrer do mesmo.
Minhas recordações de infância trazem à tona imagens da primeira série realizada em escola pública que funcionava em instalações de uma instituição particular com uma relativa estrutura física, passando a referida escola no ano seguinte para outro local. Em função da precariedade do local troquei de escola na terceira série. Durante os quatro primeiros anos a aprendizagem corria fácil com preferência pelas letras. Isto foi reforçado na quinta série, já então em uma grande escola municipal que contava com o primário, o ginásio e as opções de curso científico e clássico naquele adiantamento que posteriormente foi denominado segundo grau e hoje, Ensino Médio.
Recordo-me que utilizávamos um livro denominado Seleta em Prosa e Verso que continha textos de Castro Alves, Ruy Barbosa, Gonçalves Dias, Eça de Queirós.
Tinha mais habilidade em me comunicar, em ler e escrever do que lidar com números, com a subtração, com a divisão e as expressões matemáticas, talvez por me remeter, por associação, às dificuldades financeiras naturais de uma família com algumas carências.
A leitura e a fantasia serviram para fugir das dificuldades e sonhar, leitura esta muito incentivada por minha mãe, amante incondicional da leitura (lia almanaques, revistas em quadrinhos, fotonovelas, romances, jornais, livros de literatura) mesmo tendo sido alfabetizada em casa, sem a freqüência escolar habitual, pois recebia aulas particulares de sua mãe, que durante um tempo teve isto como ofício, já que não tinham condições de manter sete filhos na escola.
Eu era estimulada a ler nomes de lojas, anúncios, propagandas, manchete de jornal pelos familiares à volta, pois ainda se vivia em grande família, com avós, tios, primos, padrinho, madrinha que procuravam estimular os pequenos.
Ler vem antes de escrever (MANGUEL, 1999, p.20). É necessário decifrar o sistema social de signos antes coloca-los no papel. Era esta a minha situação.
Entrei no curso ginasial e o gosto pela leitura foi intensificado.
Os romances eram o gênero mais comum. A leitura era indicada e /ou supervisionada por minha tia e minha mãe que indicavam romances que podiam ser lidos, de acordo com a minha idade e o amadurecimento psicológico, por volta dos 13 anos de idade. Lembro-me que eram uns romances verdes com histórias de amor, intrigas. Creio que devo ter lido uma coleção inteira.
Também era comum livro em tamanho de bolso, em edições bem populares dirigidos especificamente para o público feminino e com uma leitura sem maiores questionamentos de ordem social, econômica ou política, assuntos estes que não eram do gosto feminino.
Um fato curioso é que nesta época de ginásio tive uma amiga muito querida que freqüentava minha casa com assiduidade e eu a dela e que adorava tal tipo de leitura fazendo constantes trocas de livro deste tipo com minha mãe. Achava engraçada esta afinidade. Eu, ao contrário não lia tais livrinhos e sim os livros que a mãe dela, então Juíza do Trabalho, a quem eu admirava, me emprestava e incentivava a ler. Isto, sem dúvida, me impulsionou, enriqueceu e me auxiliou na compreensão de mundo, no desempenho na escola e a ser aprovada, posteriormente no exame de ingressso para o curso Normal, denominado hoje de Magistério e praticamente em extinção. Nesta época eu já sabia que queria fazer a Faculdade de Direito, não sei se inspirada por ela, ou se pelo fato de externar isto ela me incentivava tanto já que os dois filhos não demonstravam vontade de seguir a profissão dela.
Na época lia livros de Lyn Yutang que mostrava as agruras da sociedade e cultura oriental, Érico Veríssimo, começando por Clarissa - nome de minha amiga - e enveredando por um sem número de personagens que marcaram minha época de adolescência como Ana Terra, Bibiana, o intrépido Capitão Rodrigo que muitos anos mais tarde passaram a ser identificados pelos rostos de famosos da Rede Globo e desfigurando aqueles que povoaram nossas mente. Recordo-me que de Érico li, além de Clarissa, Caminhos Cruzados, Música ao Longe, Um lugar ao Sol, Olhai os Lírios do Campo, Saga, O Tempo e o Vento, Senhor Embaixador, O prisioneiro, Incidente em Antares, As aventuras de Tibicuera, não nesta ordem e nem na mesma época, mas lembro que queria ler tudo dele e de Jorge Amado.
Ainda na época ginasial destaco a importância de duas professoras de português, uma reconhecida até hoje nos meios acadêmicos e a outra que se tornou minha amiga mais tarde e minha incentivadora em curso de línguas que fiz, oportunizando-me trabalho na área.
Após o ginásio ingressei na Escola Normal para ser professora, quase por imposição paterna, porque ele achava que devia seguir a carreira de minhas tias, pois o Magistério era carreira para mulheres, além de conferir muita dignidade e respeito a quem a exercia. Minha intenção não era afastar-me das letras, mas buscar nelas um outro sentido, percorrendo um caminho diverso.
Este período foi muito profícuo em termos de leitura. Tinha uma professora que sempre levava textos de autores atuais para interpretação, nas quais devíamos dizer a intenção e o pensamento do autor (sabe-se lá se o autor queria dizer aquilo mesmo) bem ao contrário de hoje, quando se deseja saber o que foi entendido do texto, como o aluno se coloca diante dele e qual a semelhança ou distância de sua realidade [pelo menos se espera que seja assim, procurando contextualizar a leitura].
Mergulhei num mar de letras, livros, símbolos, significados como que para fugir da realidade que me inquietava e aborrecia. Mudei de casa e de escola para fazer o curso, minha amiga transferiu-se para Porto Alegre e nossa comunicação passou a ser por longas cartas. Sentia falta da família dela, pois seu pai foi um pouco meu pai, assim como meu padrinho porque o meu esteve trabalhando fora por quase cinco anos e raramente o via. A sua volta coincidiu com todas estas mudanças.
Lia muito, influenciada pela professora de Português, pelo professor de Sociologia e de Filosofia e pela professora de Psicologia, (pessoa muito arrojada para a época e que nos mostrava muitos mitos cultivados na época e que na realidade não tinham nenhum sentido), pois isto iria me auxiliar para entrar na Faculdade.
Meu horizonte ampliou-se através das leituras de Paulo Mendes Campos, Rubem Braga, Carlos Heitor Cony, Manuel Bandeira, Vinícius, Cecília Meireles, Raquel de Queirós, Jean Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Kafka, Heminguay cujo Velho e o Mar li no original em Inglês, livro que guardo até hoje, pois me foi enviado por uma pessoa de origem alemã com quem mantinha correspondência em inglês, estimulada por minha mãe. Hoje pelo abandono da prática, já não seria mais capaz de fazer nenhuma das duas coisas com eficiência, a leitura e a escrita em inglês.
Não poderia encerrar este período e deixar de fora, Saint-Exupéry, Clarice Lispector, o nosso Quintana e Morris West. Passava os finais de semana em casa, absorvida nos livros que retirava da biblioteca da escola, cujo numero era maior em finais de semana já que não podia adquiri-los em livraria, às vezes em casas de livros usados (sebos), adquiridos, naturalmente, por minha mãe, coisa que ela fez até quando sua saúde lhe permitiu.
Foi este ler e escrever trabalhos para filosofia que me despertaram para a dura realidade da época de ditadura em que vivíamos.
Assistia a peças de teatro, ouvia muito Chico Buarque preparando-me para o passo seguinte que foi dado sem maiores obstáculos. Entrei na Faculdade de Direito.
Neste momento gostaria de me reportar a BAMBERGER, (BAMBERGER 2006, 32,) ao apontar resultados de pesquisa que dizem que a leitura impulsiona o uso e o treino de aptidões intelectuais e espirituais, como a fantasia, o pensamento, a vontade, a simpatia, a capacidade de identificar etc. Resultado: desenvolvimento de aptidões e expansão do “eu”.
A eficiência da escola pública da época associada a minha imersão nos livros, onde encontrava fantasia, sonhava, idealizava uma vida melhor me possibilitaram o que julgo ter sido uma grande conquista, o ingresso na universidade sem os cursinhos que começavam a surgir e também sem atropelos ou traumas. Associo minha trajetória ao texto de BAMBERGER, “Como incentivar o hábito de leitura”, (BAMBERGER, 2006, 92) transcrevendo os itens abaixo que identificam claramente as etapas pelas quais passei e que foram fundamentais para minha formação acadêmica, meu caráter e meus propósitos de vida.
I. O desenvolvimento de interesses e hábitos permanentes de leitura é um processo constante, que começa no lar, aperfeiçoa-se sistematicamente na escola e continua pela vida afora, através das influências da atmosfera cultural geral e dos esforços conscientes da educação e das bibliotecas públicas.
II Os fatores decisivos nesse processo são o prazer proporcionado pelos livros, que começa a ser experimentado em idade pré-escolar, (...) o ensino da leitura acompanhado pela satisfação no progresso e no êxito levando em conta, ao mesmo tempo, as múltiplas possibilidades e necessidades, e o encorajamento de toda e qualquer motivação possível para ler.
III A identificação com ideais e pessoas para os quais o indivíduo é orientado, como pais, amigos, professores, bibliotecários etc., contribui imensamente para uma atitude positiva em relação à leitura.
IV As condições necessárias ao desenvolvimento de hábitos positivos de leitura incluem oportunidades para ler de todas as formas possíveis: o livro de bolso, a formação da própria biblioteca, a biblioteca da sala de aula e da escola, a biblioteca pública (da comunidade, da igreja da firma etc.).
Além das influências citadas anteriormente, outras ocorreram, depois, no tempo da Faculdade de Direito, em cuja biblioteca passava meus intervalos de aula e onde tinha uma das bibliotecárias que lia em francês e cada poema que ela lia e gostava me chamava para ler ou escutar, sem contar as inúmeras prorrogações além do habitual para poder permanecer com livros. Neste período já eram os livros específicos da área e não os de literatura ou leitura de evasão.
Existe uma conjugação de fatores entremeados que formam uma importante rede de suporte no incentivo à leitura, que poderão, se bem aproveitados, promover o desenvolvimento do indivíduo.
Foi minha trajetória de leitura na universidade que me possibilitou ser aprovada em um concurso público federal, na área, 60 dias após ter colado grau e mais uma vez, sem cursos extras, como costuma ocorrer na época atual, em que os alunos fazem quase que por igual período de faculdade, os estudos complementares para ingressarem em uma carreira no serviço público.
Durante o período universitário e posteriormente o período profissional as leituras passaram a se restringir àquelas indispensáveis para o bom desempenho da profissão, sendo assim mais de ordem técnica, no meu caso, na área jurídica relacionada a Direito do Trabalho, Direito Previdenciário, um pouco de Administrativo e Constitucional. Como o trabalho requeria uma constante atualização o Diário Oficial, Instruções Normativas, Portarias, Revistas Especializadas e Boletins passaram a ser o gênero de leitura corriqueiro além de livros ligados ao tema. Deparei-me em uma determinada época com o que classifico de preconceito, pois em um concurso para o Magistério Superior, na entrevista, uma das perguntas realizadas foi sobre o tamanho de minha biblioteca particular, associado a certo ar de desprezo com minha resposta ao dizer que em função das minhas necessidades não havia um número significativo de livros de doutrina embora minha constante leitura em função da atualização que a função requeria.
Identifico em tal postura visão elitista de cultura (no caso cultura jurídica) que não permite a visão de outras práticas, discriminando aquele que não lê o livro indicado pelos professores da universidade embora não sejam claros os critérios de escolha.
Durante muitos anos, fiquei restrita a este tipo de leitura no âmbito profissional, sem abandonar a leitura diária de jornais locais e jornais da capital, sendo um deles com caderno específico de legislação.
Meu gosto pela leitura me fez ir mais além passando a escrever artigos para publicação em jornal local sobre Direito do Trabalho como forma de orientar a população sobre questões básicas que poderiam esclarecer dúvidas geradas no ambiente de trabalho. Nesta época foram publicados: A importância da CIPA na prevenção de Acidentes do Trabalho, Riscos Ambientais, Reembolso-Creche, Seguro Desemprego, Registro de Empregados, Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional, Normas de Proteção ao Trabalho do Menor, Gratificação de Natal, Exames de Gravidez-Proibição na admissão ao Emprego, Estagiários, Empregado Doméstico, Descontos Salariais, Como prevenir Acidentes do Trabalho, Acidente do Trabalho-Aspecto Social, Trabalho Temporário, Registro de Empregados Informatizado, Jornada de Trabalho, Equipamento de Proteção Individual, Convenção 158-OIT, Alteração da NR7- Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional, Trabalho a Tempo Parcial- Redução das Férias, Rescisão de Contrato de Trabalho, Profissão: Publicitário, Jornalistas Profissionais, e por último, Férias.
Estes textos não se constituíram em tratados sobre a matéria, mas textos embasados na legislação vigente à época, associados a uma visão prática de quem tinha como uma das funções orientar funcionários, empresários, profissionais da área como contadores, administradores, prepostos das empresas, líderes sindicais etc.
Com a aposentadoria, o tempo disponível foi dedicado à família até que percebi que tinha que voltar para os meus interesses (havia trabalhado desde os 17 anos e me aposentado com tempo de trabalho proporcional), pois me aposentara muito cedo, antes que as mudanças na Constituição me atingissem. Os filhos tinham crescido e poderia usufruir mais de meu tempo livre em prol de mim mesma.
Passei a me dedicar à leitura com mais intensidade, distanciada de qualquer compromisso com algum tipo específico de obra. Lia de tudo, inclusive aquelas obras rotuladas de auto-ajuda passando por autores de variadas formações. Confesso que aquelas escritas por psicanalistas me agradam muito, talvez pelo meu interesse na área. E, como o “corpo que lê se acha mais livre em seus movimentos” (DE CERTEAU, 2007, 272), passei a escrever crônicas sobre o cotidiano. De 2004 até agora já são mais de 180, número este triplicado com as publicações dos mesmos em vários sites.
Ousadia? Não sei, mas para mim é uma necessidade, um prazer, uma forma de expressão. Talvez explique minha opção com Barthes (in DE CERTEAU, 2007, 272), que classificou três tipos de leitura, entre elas a que cultiva o desejo de escrever.
Meu desejo de freqüentar o curso de Pós-Graduação é oriundo da vontade de crescimento, aperfeiçoamento, de abrir novos caminhos reconhecendo, no percurso realizado, a influência de todos que me estimularam em cada etapa de vida.
O gosto pela leitura foi transmitido e incentivado por minha mãe, por amigos, pela escola, através de professores e auxiliares envolvidos, impulsionando meu desenvolvimento como aluno, o crescimento como pessoa, a aquisição de valores morais que facilitaram minha inserção no mercado de trabalho e o crescimento profissional.
Reproduzi com meus filhos e com minha neta a conduta materna, despertando-lhes (junto com ela, enquanto viva) o gosto pela leitura, com a certeza de que a leitura é condição imprescindível para o crescimento, discernimento e liberdade.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAMBERGER, Richard. Como incentivar o hábito de leitura. 7. ed. São Paulo: Ática/ Unesco, 2006.

Página: 8CERTEAU, Michel de. Ler: uma operação de caça. In: A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994. P. 259-73.

MANGUEL, Alberto. Uma História de Leitura. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p.15-38.

ABREU, Márcia. Diferença e Desigualdade: Preconceitos em Leitura. In: MARINHO, Marildes (Org.). Ler e Navegar: espaços e percursos da leitura. Campinas, SP: Mercado das Letras; Associação de Leitura do Brasil-AL, 2001, p.139-157 (Coleção Leituras do Brasil).

[1] Aluna do curso de Pós-Graduação em Linguagens Verbais e Visuais e suas Tecnologias pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Pelotas – CEFET-RS.